O que é Saúde Digital

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  • 12 de Setembro de 2023
Nota Conceitual sobre um Termo de Múltiplos Significados

Saúde digital se refere à aplicação das tecnologias de informação e comunicação (TIC) no campo da saúde. Envolve o uso de dispositivos, softwares e sistemas baseados em algoritmos para melhorar a prestação de cuidados de saúde, a gestão de informações e o envolvimento dos pacientes. Abrange uma ampla gama de áreas, incluindo telessaúde, registros eletrônicos de saúde, aplicativos móveis de saúde, dispositivos aplicados no corpo, análise de dados, telemonitoramento, entre outras.

Essas tecnologias digitais são utilizadas para coletar, armazenar, transmitir, gerir e analisar dados de saúde, com o objetivo de aperfeiçoar fluxos e incrementar a qualidade dos serviços de saúde, promover a prevenção e o cuidado, agilizar processos e facilitar a comunicação entre profissionais de saúde e pacientes.

A saúde digital tem, portanto, o potencial de oferecer uma série de benefícios: o acesso remoto a cuidados de saúde, o monitoramento contínuo de condições de saúde, a personalização dos cuidados, o apoio ao diagnóstico e ao tratamento, o empoderamento dos pacientes e a redução de custos por melhoria da eficiência dos serviços. No entanto, é importante garantir que esse potencial se realize de modo que os benefícios sejam alcançados de forma segura e equitativa, conforme princípios éticos indispensáveis na prestação de serviços de saúde.

Nossa concepção da Ética em Saúde Digital

As atividades do Observatório de Desenvolvimento, Desigualdades em Saúde e Inteligência Artificial (Odisseia) se desenvolvem adotando uma concepção da ética na transformação digital da saúde ajustada ao contexto nacional, sem perder de vista seu atrelamento à totalidade mundial. Nesse sentido, há que se preocupar com três aspectos fundamentais que devem ser considerados para evitar potenciais danos e disparidades.

Inicialmente, o alinhamento da transformação digital em saúde aos princípios basilares do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro: acesso universal, igualitário, integral, de qualidade e com participação social. O segundo ponto diz respeito aos marcos legais de proteção de dados pessoais: a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e outros instrumentos que protejam a privacidade, a segurança cibernética, a validade dos algoritmos, a inclusão digital e a acessibilidade para grupos marginalizados. Por fim, mas não menos importante, o enquadramento aos princípios bioéticos – buscar fazer bem, evitar fazer mal, reforçar a autonomia dos usuários e prevenir desigualdades.

Acompanhamento e avaliação da transformação digital em saúde

É indispensável adotar um conjunto de medidas em todas as fases do ciclo de pesquisa, desenvolvimento de sistemas e softwares orientados para a saúde, inclusive durante a implantação dessas inovações nos serviços. Ou seja, os três aspectos referidos anteriormente devem ser considerados de forma sistemática e contínua ao longo da concepção, do desenvolvimento e da aquisição de plataformas de modo que elas sejam confiáveis e promovam a equidade na saúde, garantam o acesso sem ampliar desigualdades e estejam em conformidade com as normas vigentes.

Tal orientação deve se estender a todo o período de uso das soluções digitais na atenção à saúde da população, de modo a promover uma abordagem ética e equitativa e evitar efeitos indesejáveis ou danosos que venham a ocorrer, em especial quanto a resultados imprevistos pelos desenvolvedores na aplicação dessas tecnologias.

Referencial operacional para assegurar a transformação digital no SUS

O desenvolvimento e a aquisição de tecnologia digital no SUS requer a elaboração de um referencial de diretrizes que garantam a sua utilização de maneira ética e responsável.

Em etapas mais avançadas, o referencial deve descrever e operacionalizar a busca de evidências de eficácia relevantes para os usos pretendidos da tecnologia e, também, evidências de impacto econômico em relação ao custo para o sistema público.

A estrutura de padrões de evidências deve ser usada pelos desenvolvedores de tecnologia para informar seus planos de desenvolvimento de evidências e, de modo conjugado, pelos tomadores de decisão ao encomendarem e adquirirem ferramentas ou processos de transformação digital.

A seguir, apresentam-se os requisitos a serem considerados no acompanhamento e na avaliação das tecnologias digitais em saúde que interligam as três dimensões referidas anteriormente – alinhamento aos princípios do SUS, obediência aos marcos legais de proteção de dados e enquadramento aos princípios bioéticos:

  1. Privacidade e confidencialidade: Garantir a proteção adequada dos dados de saúde dos usuários, respeitando a privacidade e a confidencialidade das informações pessoais. Isso envolve o desenvolvimento de medidas de segurança robustas para evitar o acesso não autorizado e o uso indevido dos dados.
  2. Consentimento informado: Obter o consentimento adequado dos usuários antes da coleta, processamento e compartilhamento de seus dados de saúde. Os usuários devem estar plenamente informados sobre como suas informações serão utilizadas e ter a liberdade de escolher se desejam ou não participar.
  3. Validade científica e clínica: Assegurar que o software ou sistema forneça informações precisas, confiáveis e baseadas em evidências científicas atualizadas. É importante realizar estudos e avaliações rigorosas para validar a eficácia e a acurácia das funcionalidades oferecidas. É igualmente indispensável que o produto ou processo identifique em que programa ou política pública de saúde está inserido, e como a sua inserção apoia a ampliação de acesso e a qualidade na sua área de impacto.
  4. Transparência e explicabilidade: Tornar os algoritmos e os processos de tomada de decisão de softwares transparentes e explicáveis para usuários e profissionais de saúde. Isso permite que estes últimos compreendam como o software funciona e possam questionar ou contestar suas recomendações, caso necessário.
  5. Equidade e justiça: Evitar o agravamento de desigualdades existentes na saúde e garantir que os softwares sejam acessíveis e adequados para diferentes grupos populacionais, independentemente de características como idade, gênero, etnia ou condição socioeconômica. Ou seja, evitar a exclusão ou marginalização de certos grupos e promover uma distribuição equitativa dos recursos de saúde.
  6. Responsabilidade e prestação de contas: Os desenvolvedores e fornecedores de softwares têm a responsabilidade de garantir a qualidade, a segurança e a efetividade do produto. Eles devem prestar contas por suas ações e decisões quanto a reclamações, a problemas de segurança ou a questões éticas relacionadas ao software e ao ecossistema de dados no qual funcionam, como a segurança e a sustentabilidade de nuvens ou lagos de dados utilizados.
  7. Integridade e conflito de interesses: Os desenvolvedores devem evitar conflitos de interesses que possam comprometer a integridade dos softwares ou a sua utilização. É importante garantir que as decisões relacionadas ao desenvolvimento, à comercialização e ao uso dessas inovações sejam orientadas pelo interesse público e pela melhoria da saúde dos indivíduos.
  8. Segurança e proporcionalidade dos dados: A segurança dos dados é fundamental para proteger a privacidade e a confidencialidade das informações de saúde dos usuários. Os desenvolvedores devem implementar medidas técnicas, como criptografia e proteção contra acesso não autorizado, para evitar violações de segurança e garantir a integridade dos dados. Além disso, é essencial manter atualizações regulares do software para corrigir vulnerabilidades e mitigar riscos de ataques cibernéticos. Ao mesmo tempo, devem ser exibidas provas que os dados coletados são proporcionais aos fins da tecnologia e são integralmente requeridos por necessidade e benefício do usuário. Não é aceitável utilizar tecnologias digitais para coletar dados supérfluos ou utilizáveis para outros fins (por exemplo, comerciais).

Em suma, o referencial de avaliação ética deve incentivar uma abordagem interativa e contínua que permita a avaliação constante da tecnologia, a identificação de possíveis riscos éticos e a implementação de melhorias; ademais, a retroalimentação dos usuários e profissionais de saúde deve ser valorizada e utilizada para aprimorar a tecnologia ao longo do tempo.