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Otimizar o uso em larga escala de medicamentos em dose única; intensificar as ações de diagnóstico e tratamento; controlar de forma integrada vetores e hospedeiros intermediários; e estimular o desenvolvimento da saúde pública veterinária na interface humano-animal são algumas das estratégias apontadas para o enfretamento das doenças negligenciadas no XI Ciclo de Debates sobre Bioética, Diplomacia e Saúde Pública, realizado em 22 de abril. No entanto, um dos maiores desafios para a promoção dessas medidas, segundo os debatedores, é a situação precária em que se encontra o financiamento das pesquisas públicas no Brasil.
Fonte: Ipea
Reconhecido no mundo como um país que apresenta alta incidência de doenças negligenciadas, de acordo com Guilherme Werneck, pesquisador do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o Brasil sofre com uma grave crise no financiamento das pesquisas públicas. No contexto das doenças negligenciadas, esse cenário prejudica ainda mais a promoção de estratégias de enfrentamento, visto que essas enfermidades não contam com o interesse da indústria farmacêutica para a pesquisa e o desenvolvimento de novos tratamentos e dependem, majoritariamente, dos estudos desenvolvidos em instituições públicas de ensino e pesquisa.
“Por todos os ângulos que se olha a situação é dramática em termos de financiamento, tanto no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), tanto no Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), como no Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG)” – Guilherme Werneck, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
A tradição brasileira em pesquisa e desenvolvimento em doenças negligenciadas é antiga e tem como um dos seus maiores expoentes Carlos Chagas, médico e cientista brasileiro responsável por descobrir o protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, considerada negligenciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 1909, o cientista descreveu o ciclo evolutivo do protozoário, desde os hábitos do vetor responsável pela transmissão da doença à pessoas – o barbeiro; passando pelo reservatório doméstico do protozoário; até a enfermidade em si – a doença de Chagas.
Fonte: Vice-presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas – Fiocruz
“Nosso país tem história de promover uma agenda de prioridades em pesquisa e desenvolvimento para doenças negligenciadas, mas as condições para que isso funcione dependem do aumento do investimento”, contou Werneck. Para ele, impulsionar a modernização das estruturas acadêmico-administrativas das universidades é um fator importante que pode facilitar o acesso a financiamentos provenientes de empresas e agências internacionais. Werneck ainda defendeu a revisão dos processos de avaliação das pesquisas para que a formação acadêmica se torne mais dinâmica e estimule o desenvolvimento de estudos com maior impacto social.
A inovação em saúde pública pode ser compreendia em duas dimensões diferentes, mas complementares: a inovação em políticas públicas e a inovação em produtos, serviços e processos, conforme esclareceu o pesquisador José da Rocha Carvalheiro, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Gestão da Inovação em Doenças Negligenciadas (INCT-IDN).
Carvalheiro destacou a importância dos processos de inovação destinados à promoção da saúde, sobretudo para o enfrentamento das doenças negligenciadas, serem orientados a uma perspectiva de justiça social, e não de valor de mercado.
“Temos que fazer ciência sem estarmos preocupado com o mercado” – José da Rocha Carvalheiro, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Gestão da Inovação em Doenças Negligenciadas (INCT-IDN)
Ele também lembrou da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, que estabelece o direito de todos a usufruir dos benefícios do progresso científico.
Atualmente, a classificação da Organização Mundial da Saúde inclui 20 doenças negligenciadas. No Brasil, a dengue, a doença de chagas, a esquistossomose, as leishmanioses e as helmintíases intestinais respondem por boa parte da carga de morbidade e mortalidade decorrente desse conjunto de enfermidades.
No mundo, as doenças negligencias causam entre 500 mil e 1 milhão de mortes anualmente. Apesar de serem um grupo extenso de doenças, diferentes entre si, elas têm uma característica em comum: atingem predominantemente as populações mais pobres e vulneráveis e contribuem para a perpetuação dos ciclos de pobreza, desigualdade e exclusão social.
O XI Ciclo de Debates sobre Bioética, Diplomacia e Saúde Pública é promovido pelo Núcleo de Estudos em Bioética e Diplomacia em Saúde (Nethis/Fiocruz Brasília). A Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) apoia a realização das sessões.
Confira a programação de debates para este semestre.
Assista aqui à integra da segunda sessão do XI Ciclo de Debates sobre Bioética, Diplomacia e Saúde Pública, realizada em 22 de abril.
Ciência e tecnologia no Brasil: patrimônio ameaçado
Cortes orçamentários sucessivos para a educação e ciência no Brasil têm gerado graves consequências para o funcionamento das instituições de pesquisa e ensino, ameaçando o combate às doenças negligencias e o progresso científico e tecnológico nacional. Em dezembro de 2020, entidades do sistema de educação, ciência, tecnologia e inovação endereçaram uma carta aberta aos parlamentares para defender mais recursos ao setor no Orçamento da União de 2021. O documento foi endossado por mais de 75 associações e sociedades científicas. O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, chamou de “estrago” o corte no orçamento da pasta anunciado pelo governo federal. A fala foi proferida em live nas redes sociais realizada no dia 24 de abril.