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FIOCRUZ Brasília sediou evento, realizado entre os dias 29 de novembro e 1º de dezembro
“O trabalho da bioética não está dirigido preferencialmente ao tema dos limites, do que pode ou não ser feito, do correto ou incorreto sob o prisma do Princípio da Justiça. O que importa para uma bioética justa, democrática e cidadã são as razões que justificam um dado juízo de valores e a aplicação correta das decisões”, resumiu o coordenador da Cátedra UNESCO de Bioética da UnB, Volnei Garrafa, em Conferência no dia 29 de novembro, durante a abertura do IV Congresso Internacional de La Redbioética para América Latina e Caribe da Unesco – “Bioética, Derechos Humanos e Inclusión Social”, na FIOCRUZ Brasília.
Garrafa criticou o Principio da Justiça, que privilegia o indivíduo em detrimento do coletivo. Esta fundamentação individualista é originária da teoria bioética chamada de Principialismo – elaborada por Beauchamp e Childress – e apresenta, ao lado da Justiça, os princípios da autonomia, beneficência e não-maleficência.
O professor pontuou as cinco características do Princípio da Justiça na visão do principalismo bioético: para cada pessoa uma porção igual; para cada pessoa de acordo com as necessidades individuais; para cada pessoa de acordo com seu esforço, para cada pessoa de acordo com a sua contribuição social e para cada pessoa de acordo com o mérito. “Entre outras situações, a teoria principialista mostrou-se insuficiente para intervir nas macro-questões sócioeconômicas e sanitárias, coletivas e persistentes, relacionadas principalmente com as populações menos favorecidas e majoritárias do planeta”, disse.
NOVA AGENDA – Garrafa ressaltou que a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da UNESCO, em 2005, ampliou a agenda da bioética, obrigando-a a se redesenhar: antes predominavam temas biomédicos e biotecnológicos, agora as questões sanitárias, sociais e ambientais forçaram novas interpretações para o Princípio da Justiça. Garrafa propôs mudanças na compreensão da Bioética com relação aos compromissos públicos e responsabilidades sociais. “Não significa necessariamente a dissolução de valores já existentes, mas sua transformação”, disse.
COMITÊS – Garrafa recomendou a instalação de Comitês de Bioética Institucionais, hospitalares, profissionais, no campo da pesquisa científica e outros. “Que seja moralmente plural, multidisciplinar no que diz respeito às formações profissionais e pessoas sem formação acadêmica específica, da população”, sugeriu. Para ele, mais importante que os comitês para tratar de questões específicas da área biomédica, há outra ferramenta para os diferentes países do mundo: a instalação de Comissões ou Conselhos Nacionais de Bioética, que serviram como colegiados consultivos.
Os países da comunidade europeia, por exemplo, já têm comissões nacionais. No Brasil, em 2005, foi encaminhado um projeto de lei (nº6.032/2005) para a Câmara dos Deputados para a criação de um Conselho Nacional de Bioética, que ainda se encontra parado.
FERRAMENTAS PARA INCLUSÃO SOCIAL – Garrafa sistematiza há sete anos o tema da “inclusão social no contexto político da bioética” e adota três expressões que julga fundamentais para o debate: empoderamento, libertação e emancipação. Ele explica que a relação de poder existe com a presença de dois sujeitos: o dominador e o dominado. “Isso se consolida quando esses atores aceitam seus papéis e reproduzem ao longo do tempo”, afirma. Uma das ferramentas para a inclusão social é o empoderamento, compreendida como a transformação do sujeito comum para o sujeito com direitos, o cidadão. “É necessário que haja uma instrução focada na compreensão desse cidadão sobre a política, a dinâmica social, a educação, a saúde e todo o contexto de sua comunidade e Estado”, acredita.
Para Garrafa, a libertação exige uma compreensão para além do reconhecimento do poder e da assimetria. “Exige reconhecer com exatidão as forças capazes de obrigar os indivíduos à sujeição, à fragilidade e à vulnerabilidade, que se manifesta na incapacidade de desvencilhar-se das relações de submissão”.
Por último, a emancipação é uma ferramenta que só se faz concreta quando a pessoa se torna, de fato, independente. “Isso vale também para as relações de poder entre Estados”, acrescenta. Para Garrafa, para que a inclusão social seja reflexo de uma genuína autonomia, esta deve ser fruto de uma conquista real pelo direito a decidir, e não pode ser mera concessão. “Sem luta o ‘direito’ pode ser retirado em qualquer momento ou tempo ao sabor dos desejos daqueles que concederam a dádiva”, ressalta.