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O uso do tabaco é fator de risco para a transmissão do novo coronavírus e para o desenvolvimento de formas mais graves de Covid-19. Esse é o alerta para o Dia Nacional de Combate ao Fumo, comemorado neste sábado, 29 de agosto. De acordo com Instituto Nacional do Câncer (Inca), o frequente contato dos dedos com os lábios dos fumantes pode aumentar a possibilidade de contágio. O compartilhamento de inaladores de fumaça, como cachimbos e narguilés, também pode facilitar a disseminação do vírus. Além disso, o uso do tabaco causa diferentes tipos de inflamação e prejudica os mecanismos de defesa do organismo.
Diante de tantas evidências acumuladas sobre os malefícios do tabaco, por que ainda é difícil criar políticas de regulação para o produto? O Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde (Nethis/Fiocruz Brasília) conversou com Leonardo Henriques Portes, autor do livro Política de Controle do Tabaco no Brasil, lançado pela Editora Fiocruz.
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Qual é o maior obstáculo para avançarmos com a regulação do tabaco no Brasil?
A interferência da indústria. A indústria do tabaco sempre se fez presente por meio do lobby do setor privado. Tanto é que temos visto a judicialização de vários aspectos da política de controle do tabaco. Um exemplo é a recente judicialização da resolução da Anvisa que proíbe o uso de aditivos de sabor para melhorar a palatabilidade dos cigarros. Apesar da vitória da Anvisa no Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal não reconheceu jurisprudência para outros casos em andamento.
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Desde 2005, o Brasil é Estado Parte da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT/OMS), tratado internacional cujas medidas constituem a Política Nacional de Controle do Tabaco (PNCT). Quais foram as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) efetivamente implementadas até momento?
Se pegarmos artigo por artigo do grupo de medidas da CQCT/OMS relativo à redução da demanda de tabaco, a gente observa que o Brasil implementou todos, alguns com mais sucesso, outros com menos. Conseguimos avançar com o aumento de preços e impostos para produtos derivados do tabaco, com um cronograma de reajuste de impostos e um preço mínimo. O problema é que esses valores devem ser atualizados correntemente, mas isso não vem acontecendo desde 2016. Um outro grupo de medidas bem sucedidas são aquelas referentes aos ambientes livres do tabaco. A partir de 2011, tivemos a proibição total do fumo em ambientes coletivos fechados ou parcialmente fechados. Temos também a Anvisa regulando os produtos em si, estabelecendo advertências nas embalagens e restringindo o acesso a esses produtos.
Qual tem sido o papel do multilateralismo na regulação do tabaco?
O Brasil fomentou bastante a política internacional de controle do tabaco, mas também se beneficiou desse contexto. A Convenção-Quadro é o primeiro e o único tratado internacional de saúde pública sob os auspícios da OMS. Há todo um arcabouço de orientações que facilita o desenvolvimento das legislações nacionais. De dois em dois anos, se dá a Conferência das Partes, a instância deliberativa da CQCT/OMS, em que os Estados Partes estabelecem novas diretrizes; e avaliam pontos de carência e de avanço da Convenção-Quadro. Isso fomenta muito a condução das políticas de controle pelos países, além de alimentar a engrenagem: de um lado, os países apoiando a política internacional e do outro, a Convenção-Quadro alimentando as políticas nacionais.
Apesar dos avanços no Brasil, o país se mantém como um dos grandes produtores mundiais da folha de tabaco. Como romper a dependência econômica das famílias brasileiras que vivem da fumicultura?
A Convenção-Quadro preconiza a diversificação de culturas como forma de prover alternativas economicamente viáveis para fumicultores. Só que isso é muito complicado, porque a fumicultura se dá, principalmente, na região Sul do país, muito ligada à cultura do tabaco. Cidades vivem dessa economia. E ainda há um lobby pesado da indústria que blinda essa região e não permite uma diversificação de fato. O Governo Federal havia tomado para si essa iniciativa e desenvolvido o Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco. A iniciativa está perdendo força; se não foi completamente desmantelada. O Programa ficava sob a coordenação do Ministério de Desenvolvimento Agrário, que atualmente é uma Secretaria do Ministério da Agricultura: o principal opositor a esse processo de diversificação de culturas. O Ministério da Agricultura conta com uma forte presença da indústria do tabaco.
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Como manter a regulação do tabaco como prioridade na agenda governamental do Brasil?
A gestão federal precisa reconhecer a regulação do tabaco como uma prioridade. A nossa política de controle é coordenada por uma comissão intersetorial, a Comissão Nacional para Implementação da CQCT/OMS e de seus Protocolos (Conicq). Diferentes ministérios participam dessa Comissão. Até 2016, estávamos avançando muito. Mas em 2019, saiu um decreto que extingue as comissões intersetoriais. Desde então, houve um enfraquecimento da Comissão. No controle do tabaco, essa articulação intersetorial é fundamental. Temos também o contexto pandêmico que muda a prioridade nas questões de saúde de um modo geral. Mas além da gestão governamental, a gente não pode esquecer da participação da sociedade civil. Para continuarmos avançando com a regulação do tabaco e com as políticas relacionadas, precisamos do engajamento intragovernamental e da articulação da sociedade civil.
Como o aprendizado adquirido com o enfrentamento do tabagismo pode ajudar na elaboração de políticas públicas para a pandemia de COVID-19?
A Política Nacional de Controle do Tabaco inserida no contexto internacional nos dá algumas lições. Ao alcançar contornos intersetoriais, ela se expandiu para além da esfera da saúde. As políticas públicas para a saúde ganham muito se tiverem uma articulação intersetorial, que envolva diferentes instituições governamentais e não governamentais. Outro aspecto importante observado na política de controle do tabaco, foi o protagonismo da sociedade civil, que ocupou espaços que a gestão governamental não dá conta de ocupar. Esse modelo de gestão da política poderia nos ajudar a superar algumas dificuldades enfrentadas atualmente. A pandemia de Covid-19 cria um contexto atrelado ao aspecto econômico, por isso é importante envolver diferentes setores da sociedade.