A integração dos sistemas de saúde de países fronteiriços, a consolidação de redes de saúde assistencial organizadas e a capacitação das redes diagnósticas, qualificadas em responder rapidamente a possíveis eventos de risco em saúde, foram os aspectos destacados para o fortalecimento da saúde em regiões de fronteiras, durante o X Ciclo de Debates sobre Bioética e Diplomacia em Saúde realizado, em 22 de agosto, no auditório interno da Fiocruz Brasília.
De acordo com o pesquisador da Fiocruz Daniel Soranz, no Brasil, as regiões de fronteiras enfrentam a má estruturação dos sistemas de saúde locais. “Mas isso não acontece apenas no Brasil, países da Europa também passam pela mesma dificuldade”, disse. A razão apontada é a escassa transferência de recursos financeiros para essas regiões.
A pesquisadora do Instituto Evandro Chagas (IEC), Tânia Chaves, explicou que as populações que vivem nas regiões de fronteiras com o Brasil geram um fluxo transfronteiriço de pessoas em busca de melhores ofertas em serviços. “Como consequência desses fluxos, observamos um aumento da vulnerabilidade dos municípios brasileiros para entrada de agentes infecciosos com a possibilidade de emergência de saúde pública de interesse nacional”, afirmou.
Tânia Chaves lembrou que o fluxo de migrantes também provoca repercussão financeira sobre o financiamento das ações e dos serviços de saúde. E, de acordo com Soranz, mesmo assim, não há no país um sistema de informação organizado em que se possa quantificar o número de estrangeiros atendidos. “É inadmissível pensar que eu não consiga saber o número de consultas de estrangeiros realizadas no Brasil”, declarou. Para Tânia Chaves, toda essa falta de planejamento, dificulta a vigilância e o controle de doenças infectocontagiosas nas regiões de fronteiras.
Em 2005, foi criado o Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS-Fronteiras). Projeto do Ministério da Saúde destinado municípios fronteiriços, o sistema tinha como objetivo medir as demandas e a capacidade de atendimento, identificar os fluxos de assistência e analisar o impacto das ações promovidas. Porém, segundo Soranz, o sistema foi desconstruído ao longo do tempo.
Gatekeeper: a barreira de acesso
Entre as características estruturais do primeiro nível de atenção de alguns sistemas de saúde pelo mundo está a porta de entrada obrigatória ou “gatekeeper”. Para ter acesso a serviços de saúde, os interessados devem se consultar com um médico generalista na atenção primária. A partir daí, se for necessário, o generalista encaminha o paciente para um médico especialista. De acordo com Soranz, o gatekeeper, em certos países, funciona como uma barreira de acesso à saúde. “É a estratégia de muitos países: utilizar o papel de gatekeeper da atenção primária como barreira de acesso para migrantes ilegais a outros níveis de atenção”.
De acordo com a Tânia Chaves, outro fator importante é o receio dos migrantes de procurarem os serviços de atenção médica. Informações pessoais cadastradas nesses serviços poderiam ser utilizadas por outros setores, como o de polícia e o de imigração.
Foi o que aconteceu na Inglaterra. Segundo Soranz, em 2012, houve uma mudança na lei de saúde e de assistência social do país. “Contrariando todas as evidências científicas, as autoridades passaram a transferir informações do sistema de saúde para o sistema de migração”, contou. Como resultado, migrantes irregulares deixaram de procurar os serviços médicos, começando a adoecer em casa, e, até mesmo, a transmitir doenças para outras pessoas.
CICLO DE DEBATES – O X Ciclo de Debates sobre Bioética, Diplomacia e Saúde Pública é organizado pelo Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde (Nethis/Fiocruz Brasília). A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e a Fiocruz Brasília apoiam a realização das sessões. As sessões são gravadas e disponibilizadas na videoteca Nethis.