Garantir direto à saúde não pode ser confundido com disponibilizar planos de saúde, afirma Sonia Fleury em evento da Fiocruz Brasília

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  • 26 de agosto de 2016
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José Paranaguá de Santana (Nethis/Fiocruz Brasília) e Sônia Fleury (FGV)

“Oferecer diferentes preços de plano de saúde não é oferecer o direito à saúde”. A afirmação é da coordenadora do programa de estudos da esfera pública da Fundação Getúlio Vargas, Sônia Fleury, que participou ontem do Ciclo de Debates com o tema “Desigualdade, desenvolvimento e cooperação internacional em saúde: uma equação possível? ”. Ela observou que “recentemente, quando a OPAS substitui a discussão do direito universal à saúde, por uma cobertura universal, por exemplo, não há consenso, pois, o avanço é universalizar o direito, não restringi-lo a diferentes tipos de cobertura.” O Ciclo de Debates, atividade organizada pela Fiocruz Brasília, por meio do Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde, foi realizado ontem (25/08).

Sônia Fleury reafirmou a importância de se buscar a cooperação internacional, pois os conflitos estão emergindo não só no Brasil, com os movimentos nas ruas em 2013, mas também com a questão migratória na Europa, e há limites para o consenso. “Foi fundamental o financiamento internacional no projeto Montes Claros, em 1975, um dos primórdios do SUS, para atender a saúde da população do norte de Minas Gerais. Mas sabe-se de outros projetos nos quais os organismos internacionais tem posições equivocadas e autoritárias.

O conceito do termo desenvolvimento e suas mudanças históricas foi resgatado pela pesquisadora. Segundo ela, não é possível pensar em desenvolvimento só como modernização e crescimento econômico, separado de aspectos da modernidade que englobem o surgimento de novos sujeitos e novas relações de poder que complexificam e diversificam a sociedade. “Não basta evoluir tecnologicamente, mas manter estruturas arcaicas de poder e dominação, com trabalho escravo no campo, por exemplo”.

Em relação à desigualdade, Fleury afirmou que hoje há algumas concepções políticas que tratam do tema com ideias malthusianas, com a visão higienista de que há muita gente para pouco recurso. “Malthus falava que a pobreza pode ser um grande problema, pois cresce em progressão geométrica enquanto o desenvolvimento cresce em progressão aritmética. Há concepções políticas atuais nessa linha, questionando o Bolsa Família e o Seguro desemprego e o próprio direito universal à saúde expresso no SUS, como se estes direitos estivessem na contramão do progresso, ” alertou.

publicoSegundo ela, é preciso esclarecer que o projeto de transformação da sociedade brasileira, surgido no fim dos anos 70, previa a articulação das relações de poder com base nos direitos das pessoas. É fato que muita gente não é atendida no SUS, mas graças à constituição, a saúde é um direito, diferentemente do que ocorria antes de 1988, quando só quem era coberto pela previdência social tinha este direito.  “A Constituição Federal trouxe propostas ousadas do ponto de vista das relações de poder, não só descentralizando dentro do governo, mas criando conselhos, conferências e mobilizando a população, ” afirmou.

A pesquisadora ressaltou ainda que a desigualdade não deve ser vista só do ponto de vista econômico, pois há um conjunto de discriminações que potencializam a conhecida desigualdade de renda. Se alguém é mulher, negra e vive no meio rural, por exemplo, estas três características se somam no ‘cordão de contas’ da discriminação, e podem se expressar em diferentes formas de subordinação para além da questão econômica. “A igualdade se constrói politicamente, pois as pessoas são diferentes, ” disse.

Por Mariella Oliveira-Costa (Ascom Fiocruz Brasília)