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É do interesse de todo cidadão atentar para os problemas que circundam o acesso aos bens e serviços de saúde, direito garantido pela Constituição do Brasil de 1988 como um dos princípios que fundamentam o Sistema Único de Saúde – a participação social, orientação que bem se ajustaria ao campo das políticas públicas de modo geral.
Nesse caso se incluem as relações internacionais no tocante a questões de saúde pública, pois as medidas a serem adotadas pelo poder público, ante as inovações advindas do fantástico desenvolvimento científico e tecnológico desde meados do século passado, extrapolam a esfera de países específicos, especialmente dos menos desenvolvidos, integrantes do Sul Global.
Nesse sentido, as dimensões histórica e geopolítica da conformação do poder no mundo atual são imprescindíveis nos debates sobre as políticas públicas de saúde no contexto internacional, em especial ante o reordenamento do poder mundial após a Segunda Guerra, deslocado da Europa para os Estados Unidos (EUA). Uma das resultantes desse processo foi a hegemonia de reformas desenvolvimentista de corte neoliberal, que prescreveram a eficiência dos serviços de saúde nos moldes da economia de mercado.
Os efeitos desse modelo de desenvolvimento se expressam no agravamento das desigualdades entre países e, internamente, em todos eles. Cenário que se revela de modo candente na atual pandemia, pois a disseminação do Covid-19 serviu para escancarar a disjunção entre desenvolvimento e desigualdades. A despeito do potencial científico e tecnológico disponível para enfrentamento dessa peste, vem ocorrendo o descompasso aberrante entre o acesso aos benefícios advindo do progresso, tanto na aplicação de medidas específicas como a vacinação, como no usufruto das condições sociais e econômicas que reduzem, somente para uma pequena parte da humanidade, riscos e sofrimentos dos acometimentos da doença e de suas consequências tantas vezes fatais (veja matéria).
Em suma, a pandemia nos coloca face a face ante o desafio de construir um mundo mais justo, onde todos tenham acesso aos fartos benefícios do progresso das ciências e das técnicas. Nesse sentido, é imperioso redirecionar o desenvolvimento global de sua rota atual, de modo a não favorecer apenas os ricos e deixar ao relento todos os demais. Na busca desse caminho é indispensável o conhecimento do passado que engendrou o presente a ser, doravante, reconstruído.
O Ciclo de Debates sobre “Pestes, Desenvolvimento e Desigualdades”, que o Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde da Fiocruz Brasília promoverá, no primeiro semestre de 2022, vai polemizar essas questões, com ênfase em aspectos das relações internacionais no mundo globalizado.
Gerson Penna, pesquisador da UnB e consultor sênior do Nethis.
Eduardo Hage, consultor sênior do Nethis.
José Paranaguá de Santana, coordenador do Nethis.