Uma pesquisa realizada pelo Datafolha aponta que 78% dos brasileiros reduziriam o consumo de sucos industrializados e refrigerantes se estivessem melhor informados sobre as altas quantidades de açúcar. Além disso, são a favor de retirar as isenções de impostos de grandes empresas produtoras de refrigerantes na Zona Franca de Manaus. Encomendada pela ACT Promoção da Saúde, a pesquisa entrevistou 2.060 pessoas sobre o assunto.
O Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde (Nethis/Fiocruz Brasília), conversou com Bruna Hassan, consultora em nutrição da ACT Promoção da Saúde, sobre a regulação de alimentos ultraprocessados, aqueles que passam por técnicas de processamentos com alta quantidade de sal, açúcar, gorduras, entre outras substâncias. Confira a entrevista.
A pesquisa encomendada pela ACT Promoção da Saúde avaliou o impacto dos alertas nas escolhas alimentares dos consumidores. Quais foram os resultados encontrados?
As pessoas são favoráveis a medidas de regulação da comercialização e do preço de alimentos ultraprocessados. Seis em cada dez brasileiros são favoráveis a aumentar os tributos sobre bebidas açucaradas e 78% dos entrevistados aprovam a informação nos rótulos com alerta sobre a presença de muito açúcar. A proposta que prevê a regulação da comercialização de produtos não saudáveis em escolas tem também grande apoio popular.
Nós ainda fizemos uma pergunta específica com relação ao escândalo da redução de impostos que as empresas produtoras de refrigerantes recebem na Zona Franca de Manaus. As produtoras de refrigerantes e outras bebidas na Zona Franca de Manaus têm uma série de isenção de impostos. Isso faz com que elas deixem de pagar R$ 4 bilhões por ano só em Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Sete em cada dez brasileiros são a favor de retirar essas isenções.
O modelo de alerta proposto pela Anvisa para identificação de alimentos com alto teor de açúcares adicionados, sódio e gorduras saturadas é questionado pela sociedade civil. A Agência pretende adotar um desenho em formato de uma lupa, em que se destaca os altos teores dessas substâncias. A ACT Promoção da Saúde defende a utilização de alertas em formato de triângulos. Por que?
A nossa defesa para o emprego do formato de triângulos é baseada na evidência científica que se tem disponível. Esse formato de triangulo é inspirado no modelo chileno que tem dado muito certo, com impacto no consumo de alimentos ultraprocessados. Também foi feita, no Brasil, uma pesquisa na qual ficou comprovado que o modelo de triangulo é mais claro para os consumidores brasileiros.
Quanto ao modelo de alerta no formato de uma lupa sugerido pela Anvisa ainda não há evidências se esse formato é realmente eficaz. Esse modelo tem sido discutido somente no Canadá, mas ele ainda não foi implementado.
É preciso deixar claro que não existe nenhuma bala de prata para se resolver o problema da obesidade no mundo. Não achamos que somente a rotulagem sozinha ou a tributação resolveriam o problema. Na verdade, precisamos de uma combinação de medidas de regulação capazes de modificar o ambiente alimentar em que as pessoas estão inseridas. Hoje temos um sistema alimentar que favorece o consumo de alimentos ultraprocessados. Seria como se inspirar na Convenção-Quadro de Controle do Tabaco. A gente não tem uma Convenção Quadro para a área da alimentação.
Já superamos a ideia de que a obesidade é um problema individual e que será resolvida somente com educação. Em quase nenhum país estamos conseguindo resolver o problema da obesidade. As prevalências não param de aumentar nos países de alta, média e baixa renda.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que pelo menos 1 bilhão de pessoas no mundo estão com excesso de peso, das quais, 300 milhões são obesas. Segundo o Ministério da Saúde, a obesidade é um dos fatores de risco mais importantes para doenças crônicas não transmissíveis, como doenças cardiovasculares e diabetes. Quais são os fatores principais para o avanço da obesidade no mundo?
A gente já avançou na discussão de que apenas o aumento no consumo de calorias ou a redução de atividades físicas seriam os fatores que levam ao ganho de peso. Hoje, a discussão caminha para os determinantes comerciais da obesidade. Discutimos outros determinantes que se relacionam com o ambiente como, por exemplo, a influência de publicidade e a influência da disponibilidade desses alimentos nas prevalências de excesso de peso. E há ainda uma relação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o ganho de peso. Inclusive saiu um ensaio clínico recente comparando dois grupos: um que consumia e outro que não consumia alimentos ultraprocessados. O grupo que consumia alimentos ultraprocessados ganhou peso.
A OMS também alerta que a obesidade entre crianças e adolescentes aumentou dez vezes nas últimas duas décadas em todo o mundo. Quais seriam as possíveis estratégias para proteção das crianças e dos jovens?
Uma das políticas centrais é mexer no preço, no acesso ao produto e no quanto se divulga. Apesar de já existir no Brasil uma legislação que prevê a proibição de publicidade enganosa e abusiva para crianças, hoje em dia, não temos controle total da publicidade ofertada para esse público. Temos uma série de influências para além da televisão como, por exemplo, as mídias sociais.
Mais de 40 países em todos o mundo já empregaram políticas de agenda regulatória, como a taxação de bebidas açucaradas. No Brasil, acompanhamos projetos de lei para aumentar o preço, porque a ideia é que esses produtos não saudáveis, como as bebidas açucaradas, sejam menos acessíveis. Outra política importante, é termos a proibição da venda de refrigerantes nas escolas. Estamos buscando avançar com um projeto de lei que está tramitando no Congresso há mais de 10 anos sobre esse assunto. Existem no Brasil algumas iniciativas, municipais e estaduais, mas no país como um todo, a gente não tem a proibição de alimentos não saudáveis nas cantinas escolares.
Nos casos dos orgânicos, a gente também tem um problema. Quando esses produtos chegam ao supermercado, o preço já está muito alto. Então, o que se recomenda é ter contato com produtores locais para garantir um preço mais acessível. Mas ainda sim esses produtores precisam ocupar os diferentes espaços, pois, de fato, uma parcela da população não tem acesso à produção de orgânicos.
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