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Ex-ministro da saúde, atual assessor da Fiocruz e pesquisador associado do Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde levanta discussão candente sobre o futuro do Sistema Único de Saúde brasileiro. O financiamento público da saúde é tema recorrente na agenda da saúde no contexto das relações internacionais, conforme ressalta Agenor Álvares ao evocar depoimento do Diretor Geral da OMS há 35 anos passados. Para o coordenador do Nethis, José Paranaguá de Santana, trata-se de questão que ao longo desse período adquiriu maior repercussão sob a perspectiva ética, ou seja, dos direitos de todos os povos da Terra à saúde como direito humano fundamental.
O SUS, de maior política de inclusão social capitulada na Constituição, está a caminho de um colapso, mais parecido com um paciente em estado terminal
A Constitucional n º 86/ 2015, mais conhecida como emenda do “Orçamento impositivo”, trará consequências altamente negativas para o financiamento da Saúde no Brasil a partir de 2016. É o que avaliam gestores públicos e de dez entre dez economistas que analisam os gastos federais com o setor. Ao não convalidar projeto de inciativa popular, com mais de dois milhões e duzentas mil assinaturas, que propunha a vinculação dos recursos do governo federal em 10% das receitas correntes brutas para a Saúde criou-se um vácuo. O projeto perdeu o espírito inicial e foram produzidas modificações fortemente prejudiciais ao setor.
A principal modificação se deveu à vinculação de 15% das receitas correntes líquidas, escalonado em cinco anos, iniciando em 2016 com 13,2% do orçamento, até se atingir o valor aprovado apenas em 2020. A exemplo do que ocorreu com o Orçamento de 2015 para a saúde, esse valor poderá ser modificado, com contingenciamentos sem considerar as prioridades do setor. Duas outras medidas, igualmente danosas ao financiamento do setor saúde, também foram incluídas: a destinação de emendas parlamentares impositivas para compor o orçamento do Ministério da Saúde e os recursos provenientes da exploração do petróleo no pré-sal. Essas duas medidas foram consignadas, não como fontes complementares como se esperava, mas como fontes próprias do Orçamento, absolutamente na contramão de qualquer racionalidade política.
A primeira medida visa a compromissos paroquiais dos parlamentares com suas bases políticas, que mesmo justas, na maioria das vezes, não guardam relação direta com a política de saúde. Já a segunda, da extração de petróleo em águas profundas, cuja expectativa inicial, de se tornar uma fonte complementar de recursos para o já minguado Orçamento, se frustrou, pois foi elevada à categoria de fonte substituta.
Essa emenda aprofundou ainda mais o abismo existente entre as necessidades de atenção à saúde das pessoas e a capacidade do Estado em provê- las. Já o Sistema Único de Saúde (SUS), de maior política de inclusão social capitulada na Constituição, está a caminho de um colapso, mais parecido com um paciente em estado terminal. Estará em curso algum estudo de modelo alternativo, tipo contributivo ou subsidiado, a ser oferecido à população para “livre escolha”?
Na abertura da 7ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília nos idos de 1980, o então presidente da Organização Mundial de Saúde, Halfdan Mahler, em pronunciamento de abertura daquela conferência, perguntou aos dirigentes brasileiros presentes: “Os senhores estão dispostos a defrontar seriamente o abismo que separa os ‘privilegiados’ dos ‘despossuídos’ em matéria de saúde e a adotar medidas concretas para reduzi-lo? E como conceber o sistema mais eficaz de prestação de serviços de saúde partindo da base de que o que realmente importa são as pessoas?”
Esse discurso de Mahler veio ao encontro da luta empreendida por amplos setores da sociedade brasileira à época, de mudança de um sistema previdenciário e excludente, então vigente, para um sistema de saúde pública sem distinção de direitos. Essa luta social culminou na criação do SUS, estatuído na Constituição. O SUS, que sempre foi marca de cidadania e direitos para toda a população, sem distinção de classe, clama por um financiamento público, com responsabilidade cívica do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e também da sociedade. Porque, o que realmente importa são as pessoas.
Fonte: oglobo.globo.com