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Médico sanitarista, bioeticista, deputado, senador, membro do parlamento europeu, inspirador da reforma sanitária brasileira, militante do Partido Comunista Italiano: são muitas os caminhos para se traçar o perfil de Giovanni Berlinguer, que morreu aos 90 anos na madrugada desta segunda-feira, 6 de abril, em Roma. Sua vida se confunde com a história das lutas pelo direito à saúde, no mundo. Doutor Honoris Causa pela Fiocruz, a morte de Berlinguer foi recebida com pesar na ENSP.
– Hoje é um dia triste para a medicina social mundial. Giovanni Berlinguer, um querido amigo, foi uma pessoa que nos inspirou muito e foi solidário em vários momentos da construção da nossa reforma sanitária e nossa história pela construção da democracia. Particularmente, era um querido camarada, declarou Hermano Castro, diretor da Escola.
O pesquisador da ENSP Paulo Amarante lembrou das modificações que seu trabalho produziu na área da saúde ocupacional e da determinação social das enfermidades.
– Sua contribuição é original, porque foi o primeiro a colocar em questão os modelos tradicionais de determinação social, especialmente no campo do trabalho, da saúde educacional, que ele revolucionou rediscutindo, refazendo as bases paradigmáticas, colocando a questão do meio ambiente, dos meios agressores.
Amarante também contou como foi importante a contribuição de Giovanni Berlinguer na criação do movimento sanitário brasileiro.
– Ele foi uma das principais referências que nós tivemos, especialmente em 1976, quando, a convite do recém-criado Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, o Cebes, lançou seu primeiro livro no Brasil: Medicina e Política. Aqui também lançou um livro que deu as bases inciais da reforma psiquiátrica, Psiquiatria e Poder, por meio do qual nós viemos a conhecer o trabalho e a experiência de Franco Basaglia.
Do mesmo modo que Hermano, Paulo Amarante também tem boas recordações do convívio pessoal com o sanitarista italiano.
– Giovanni me acolheu quando eu fiz o doutorado sanduíche na Itália. Ele me recebia na sua própria casa, não parecia ser um senador da república italiana, dada sua simplicidade, carinho, afeto.
Mais do que seus vínculos políticos e acadêmicos, foram os laços afetuosos que, nas palavras do próprio Berlinguer, permitiram que criasse uma longa relação de colaboração com a o Brasil, país que chamou de “segunda pátria”, numa entrevista à Agência Fiocruz de Notícias, em 2007.
Nascido na Sardenha, na cidade de Sassari, em 1924, Giovanni Berlinguer era filho de um advogado defensor dos direitos humanos e irmão de Enrico Berlinguer, último grande líder do Partido Comunista Italiano (PCI), do qual também Giovanni foi um militante de destaque, até a dissolução do partido, em 2007. Sua atuação política, que tem início no movimento estudantil, o traz ao Brasil pela primeira vez em 1951, como diretor da Associação Internacional dos Estudantes. Na ocasião, foi ameaçado de expulsão do país pelo então deputado Carlos Lacerda, que acusava Giovanni de ser um espião russo. Durante a ditadura militar, seus livros é que não eram bem vistos pelos donos do poder, no Brasil. Cópias de Medicina e saúde pública e de Saúde nas fábricas circulavam clandestinamente.
Na Itália, foi eleito deputado por três vezes, entre 1972 e 1979. Em 1983 foi eleito senador da República Italiana, sendo reeleito em 1987. Em 2009, foi eleito deputado do Parlamento Europeu, integrando a bancada do Partido Socialista Europeu. Até o fim de sua vida, o sanitarista foi um crítico da sociedade de mercado e da mercantilização da saúde, como se pode ler no trecho abaixo.
– Uma situação paradoxal tem crescido nas últimas décadas. Avanços dos conhecimentos científicos garantem (melhores) epidemiologias, diagnósticos, prevenções, terapias e reabilitações. Mas todo o processo vem se tornando mais e mais seletivo. Alguns podem ser beneficiados e salvarem-se, enquanto um número muito maior de indivíduos não consegue pagar por estes recursos e morre.
Autor de dezenas livros e artigos, no campo acadêmico sua trajetória começa na saúde pública e culmina com forte atuação no campo da bioética, para a qual procurou trazer questões do cotidiano, ligadas à equidade em saúde, num momento em que a maioria dos cientistas se voltava para os casos extremos que surgiam a partir do uso de novas tecnologias na biologia. As pontes criadas por Berlinguer entre essas duas áreas fundamentais para saúde podem ser encontradas na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, da Unesco, documento que ajudou a redigir e que afirma que “a conquista do mais alto padrão de saúde alcançável é um dos direitos fundamentais do homem, sem distinção de raça, religião, convicção política e condições socioeconômicas”.
*Crédito foto: Ana Limp/CCS/Fiocruz.
Fonte: Informe Ensp.