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Em setembro de 2015 serão definidos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), um conjunto de metas que irá substituir os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), pactuados pela comunidade internacional junto às Nações Unidas (ONU) no ano 2000. Trata-se de um momento importante deste começo de século, pois a nova agenda irá influenciar o planejamento de políticas de desenvolvimento global nas próximas décadas.
A bioética deve acompanhar atentamente este processo, especialmente porque as decisões impactarão diretamente nas mais diversas esferas econômicas, políticas, sociais, sanitárias e ambientais. Conforme demonstramos em nossa tese de doutoramento (Cunha, 2014), o aspecto problemático é que desde uma perspectiva bioética a configuração da chamada “agenda do desenvolvimento pós-2015” tem se revelado um processo pouco transparente e restrito aos interesses corporativos dominantes na arena global, o que fragiliza a possibilidade de estabelecer uma abordagem de desenvolvimento compatível com a sustentabilidade ambiental e com a justiça social.
A nossa análise da elaboração da agenda desnudou uma série de conflitos e contradições entre os discursos dos formuladores e as indicações objetivas para a implementação dos novos objetivos desenvolvimento, pois, se por um lado as declarações e os documentos utilizaram a exaustão um discurso axiologicamente fundando em valores como igualdade, sustentabilidade e direitos humanos, por outro lado, as indicações econômicas repetiram uma perspectiva instrumentalizada do desenvolvimento em favor da expansão da economia de livre mercado e dos modos de produção tradicionais – justamente aqueles que são responsáveis pela perpetuação da desigualdade social e da destruição ambiental em nível planetário.
Além disso, certos grupos envolvidos no debate para formulação da nova agenda sustentaram uma lógica de competição temática que contrapôs áreas que estão intrinsicamente ligadas, como o campo da saúde global e da sustentabilidade ambiental. Ponderamos que as disputas na formulação da nova agenda reproduzem a racionalidade instrumental e perpetuam o protótipo científico-tecnológico que tornou o processo de desenvolvimento sinônimo de destruição ambiental, aumento de desigualdades, acirramento de conflitos, aprofundamento de dependências e homogeneização de culturas.
A esse respeito, foi conveniente resgatar a crítica de Potter (1999) – um dos ‘pais da Bioética’ – à fragmentação entre as éticas ecológicas e as éticas médicas, na medida em que obscurece como a saúde do planeta e a saúde do ser humano são interdependentes e como uma visão focada apenas no homem ou apenas no ambiente coloca em risco a sobrevivência da vida no planeta.
Por isso, alertamos que se a bioética não puder intervir, deve pelo menos alertar sobre os interesses, as contradições e as implicações éticas dos novos objetivos do desenvolvimento, que apesar de se mostrarem como novos, nada mais são do que velhos interesses que comandam a ordem mundial pelo menos desde a segunda metade do século XX.
Thiago Cunha é membro do Comitê Assessor da Rede Latino-Americana e do Caribe de Bioética da Unesco (RedBioetica), pesquisador associado ao Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde (Nethis/Fiocruz), membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e professor do Programa de Pós-Graduação em Bioética e Graduação em Ciências Biológicas da PUCPR.
Para saber mais:
Cunha T. Bioética Crítica, Saúde Global e Agenda do Desenvolvimento. Tese. Universidade de Brasília, Brasil, 2014.
Potter VR. Fragmented ethics and “bridge bioethics”. Hastings Cent Rep 1999;29(1):38-40
Sustainable Development Solutions Network: http://unsdsn.org/
Fonte: www.bioeticaambiental2014.blogspot.com.br