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É incrível o poder de intimidação da indústria do fumo. Não bastasse comercializar um produto que causa dependência química e rouba em média 12 anos da vida de um homem e 11 anos da vida de uma mulher, os fabricantes insistem no crime continuado de pressionar as autoridades para impedir a aplicação de qualquer medida de proteção à saúde que lhes contrarie os interesses financeiros.
Depois de enfrentar um lobby de fazer inveja à máfia, a lei que proíbe fumar em ambientes fechados em todo território nacional foi aprovada em 2011. A regulamentação, no entanto, que deveria ser imediata, levou três burocráticos e inexplicáveis anos para finalmente entrar em vigor no dia 3 deste mês.
Proibir o fumo em ambientes públicos é medida que beneficia a todos, indistintamente. Os que não fumam deixam de respirar a fumaça do cigarro alheio, que ao entrar em contato com as vias aéreas provocam as mesmas doenças que acabam com a vida do fumante. As evidências científicas são inquestionáveis, quem considera esse risco irrelevante é ignorante ou mal-intencionado, não existe terceira opção.
Proibir o cigarro em ambientes fechados, entretanto, ajuda sobretudo o fumante, que se vê forçado a superar as crises de abstinência de nicotina, droga associada à dependência mais escravizadora que a medicina conhece. Ser obrigado a sair do local em que se encontra, para acender um cigarro, coloca o fumante cara a cara com o vício que o domina. Nessa hora cai por terra o mito ridículo de que fumar é um hábito.
Além desse impacto psicológico, a proibição constrange o fumante. Quantas vezes um funcionário pode sair do escritório para fumar na calçada? Ou abandonar os amigos na mesa do restaurante?
Restrições públicas ao cigarro ajudam a lidar com as crises de ansiedade que a abstinência dispara, sempre que caem os níveis sanguíneos da droga, aprendizado fundamental para ficar livre dela.
Esse é o detalhe que aflige a indústria: quando o dependente consegue passar horas sem dar uma tragada, pode concluir que tem força para se livrar da dependência, atitude oposta às intenções do fornecedor.
Leis estaduais já haviam adotado a proibição em São Paulo, Rio, Amazonas, Rondônia, Roraima, Paraná, Mato Grosso, Minas e Paraíba, sem que o movimento de bares e restaurantes nesses estados tenha sofrido qualquer abalo. Ainda assim, a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) vai tentar na Justiça a revogação da lei federal. O motivo?
Ao jornal “O Estado de S. Paulo”, a entidade explicou que a lei “cria um rigor inimaginável, impedindo os direitos individuais do cidadão de consumir um produto que é lícito”.
Independentemente do solene desprezo pela saúde dos trabalhadores que prestam serviços nos bares e restaurantes dos associados presididos por ele, o argumento da Abrasel não é diferente daquele manifestado por alguns intelectuais sempre revoltados com “esse atentado à liberdade do fumante”.
É inacreditável que pessoas supostamente cultas não levem em consideração o fato de que o cigarro espalha fumaça no ar que será respirado pelos incautos das proximidades, impregnando-lhes a roupa com o cheiro repulsivo e os pulmões com agentes tóxicos, cancerígenos.
Haveria mais lógica se defendessem o direito do usuário de cocaína aspirá-la em restaurantes, igrejas, escritórios ou aviões: quem cheira pó não prejudica os circunstantes.
Não sejamos ingênuos, o intuito de empresas como Philip Morris e Souza Cruz é viciar o maior número possível de crianças e adolescentes, com o objetivo claro de fazê-los cair na mão do fornecedor ao ritmo de um maço por dia, pela vida inteira.
Qualquer medida ou lei que tenha como objetivo reduzir a prevalência do fumo na população e assim diminuir o sofrimento humano e o número de mortes causadas por ele, viaja na contramão dos interesses empresariais.
Contrariada, a indústria mobiliza os departamentos de marketing, contrata a peso de ouro lobistas, escritórios de advocacia e financia campanhas de políticos inescrupulosos, para preservar e, se possível, ampliar o mercado cativo de dependentes de nicotina.