Os desafios de ampliar a projeção internacional e a qualidade da produção científica têm levado o Brasil a dar incentivo crescente à cooperação Sul-Sul, uma das prioridades estratégicas da política externa. Em paralelo às parcerias tradicionais com Estados Unidos e Europa, ganham força os acordos com centros de pesquisa asiáticos e africanos.
China, Coreia do Sul e Índia despontam entre os países que, em anos recentes, firmaram acordos com o Brasil em diversos campos de conhecimento. A presença na África também vem crescendo, principalmente com à comunidade lusófona.
“Mudou o cenário da educação no país e está mudando também o da inovação”, diz o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Clelio Campolina Diniz. Ele ressalta três grandes áreas de ponta em que o Brasil tem atuação destacada: a petrolífera, na tecnologia de exploração em águas profundas; a aeroespacial, na fabricação de aviões e satélites; e a agropecuária, em que a produtividade brasileira é reconhecida. Petrobras, Embraer e Embrapa são referências globais nesses segmentos. Diniz enfatiza a importância de atrelar a base científica à capacidade de produção e investir nos recursos humanos, diante do contexto de acirrada competição global.
“Entre 2000 e 2012, passamos de 5.300 doutores formados anualmente para 13.900 e a meta é titular 25 mil doutores em 2025”, afirma. Uma das iniciativas de sucesso é o Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), avalia o ministro. Entre seus resultados está vacina contra leishmaniose visceral em animais, lançada em 2008 por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sua tecnologia foi transferida para o Laboratório Hertape Calier Saúde Animal, de capital brasileiro e espanhol, que estuda a distribuição na Europa. Outra proposta de pesquisa vai destinar R$ 641 milhões para o apoio a núcleos de excelência e está aberta até 8 de setembro.
A Índia tem desenvolvido intercâmbios científicos com o Brasil principalmente nos campos da Tecnologia da Informação (TI) e da pesquisa espacial. Também há acordos com França, Itália, Japão, Rússia, Suécia e Alemanha, mas o destaque é a China, considerada parceira estratégica global. Em 2013, Brasil e China firmaram um ambicioso Plano Decenal de Cooperação Espacial, que abre para os dois países a perspectiva de atuar como fornecedores no mercado global de imagens e dados captados por satélite. Um marco importante ocorrerá em 7 de dezembro, data prevista para lançamento, a partir do país asiático, do satélite de sensoriamento remoto CBERS-4, construído pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Faz parte do acordo com os chineses o lançamento, em 2016, de um satélite geoestacionário que vai aumentar a segurança das comunicações estratégicas brasileiras de governo e defesa. “A internet terá 30% da capacidade dedicada à inclusão digital na Amazônia”, destaca o chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB), José Monserrat Filho. O Brasil também firmou parceria com a Alemanha para aperfeiçoar um Veículo Lançador de Microssatélite (VLM) desenvolvido pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE).
Outra iniciativa recente de cooperação foi firmada com a Rússia: a Universidade de Santa Maria (RS) e o Instituto Técnico de Pernambuco irão abrigar uma estação de calibragem do sistema de navegação por satélite Glonass, alternativa ao americano GPS. Também com a Rússia o Brasil firmou um acordo na área petrolífera e outro na área de saúde. Este prevê parceria técnica entre o Instituto Butantan, a Empresa Federal Estatal Unitária e a Universidade de Pesquisa Científica de São Petersburgo para a produção de vacinas contra difteria, tétano, coqueluche e meningite.
A cooperação com o continente africano é uma das prioridades, principalmente em saúde e agricultura. Na área da pesquisa espacial, está em andamento o programa CBERS for Africa, que permitirá a recepção e distribuição gratuita de dados dos satélites sino-brasileiros por África do Sul, Angola, Botsuana, Lesoto, Moçambique, Suazilândia, Namíbia, Zâmbia e Zimbábue. No dia 17 de setembro, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação vai lançar a nova versão do ProÁfrica – Programa de Cooperação Temática em Matéria de Ciência e Tecnologia. Entre 2005 e 2010, a iniciativa financiou 190 projetos com R$ 9,6 milhões, em cinco editais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Ministro Clelio Campolina Diniz: áreas em que o Brasil se destaca são a petrolífera,
aeroespacial e a agropecuária – Imagem: Washington Alves/Light press
Fiocruz é referência em pesquisa sobre doenças como aids e dengue
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde, é o melhor centro de pesquisa do Brasil em qualidade de produção científica, conforme o ranking divulgado em junho pela universidade holandesa de Leiden. Um dos principais indicadores é o impacto da pesquisa acadêmica, isto é, o quanto ela é citada pela comunidade científica. Voltada para a solução de problemas práticos e para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), a instituição também é referência quando o assunto é cooperação internacional. Suas parcerias com outros países envolvem desde a produção de medicamentos e vacinas à realização de pesquisas sobre doenças como aids, Chagas e dengue.
No ano passado, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), vinculado à Fiocruz, inaugurou em Moçambique uma fábrica de antirretrovirais e 16 outros medicamentos. Primeira empresa pública do setor farmacêutico do continente africano, a Sociedade Moçambicana de Medicamentos produzirá 226 milhões de unidades de antirretrovirais por ano, beneficiando 2,7 milhões de pessoas que vivem com HIV/Aids no país. A tecnologia será transferida gradualmente aos africanos. Outra parceria importante, iniciada em 2010, segue o caminho inverso: transferência de tecnologia do Instituto Indar, na Ucrânia, para fabricação de insulina recombinante humana pela instituição brasileira. A produção deverá cobrir 50% da demanda do Ministério da Saúde para atender pacientes com diabetes.
O Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), unidade da Fiocruz dedicada à produção de vacinas, também tem papel ativo na cooperação internacional. Em outubro de 2013, a instituição firmou acordo com a Fundação Bill e Melinda Gates para o desenvolvimento da vacina dupla viral (sarampo e rubéola).
A partir de 2017 serão produzidas 30 milhões de doses por ano para ações em países em desenvolvimento. Um acordo com a israelense Protalix/Pfizer prevê a transferência de tecnologia para produção de um biofármaco de combate à doença de Gaucher. A parceria com a inglesa GlaxoSmithKline (GSK) prevê a produção e fornecimento da vacina tetravalente viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela) ao Ministério da Saúde.
“Também temos firmado acordo com o laboratório japonês de telecomunicações NTT, que investe mais de US$ 1 bilhão em P&D por ano”, informa o diretor de Gestão da Inovação do CPqD, Alberto Paradisi.
Fonte: Dauro Veras/ Valor Econômico