Estudo aponta os desafios éticos do sistema de saúde suplementar do Brasil

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  • 28 de fevereiro de 2013

“No Brasil há um preconceito entre setor público e privado. É preciso que ambas as partes estabeleçam um diálogo franco para chegar a um consenso e resolver a questão de alguma forma. Isso é urgente para o país”, disse a pesquisadora

A principal conclusão da tese de doutorado em Bioética de Regina Parizi Carvalho, “Desafios da Saúde Suplementar no Brasil”, é que as relações entre os sistemas de saúde público e privado no Brasil precisam ser repensadas. “O Brasil cobra impostos para sustentar o sistema público de saúde, mas, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 54% dos gastos nessa área são provenientes de planos privados. Há, portanto, uma duplicidade, porque bancamos o sistema público e pagamos planos privados para garantir o atendimento de qualidade”, esclareceu. Isso significa que dos 921 dólares que  os brasileiros gastam em média por ano com saúde, 401 dólares são gastos Foto: Mariana Costa/UnB Agência

pelo setor público e 520 pelo setor particular.

“Utilizei como um dos referenciais a bioética para mostrar os desafios e conflitos éticos do sistema de saúde brasileiro. O setor privado não está integrado com as políticas de com a saúde do trabalhador do Ministério do Trabalho e Emprego, nem com centrais sindicais, entre outras falhas”, afirma Regina. A tese foi orientada pelo professor Volnei Garrafa, referência mundial em Bioética.

Como parâmetro para o gasto do Brasil na área da saúde, Regina cita o Reino Unido, também com assistência universalista (irrestrita a todos os cidadãos) como o Brasil, onde cada cidadão gasta em média 2.893 dólares e o investimento público é de 84%. “Em relação aos países da América Latina, o Brasil tem um investimento razoável. Estamos no mesmo nível da Argentina, por exemplo. A OMS recomenda um gasto mínimo de 40 dólares, mas este índice é referente a países muito pobres”, explica a recém-doutora. “Ainda estamos longe dos países mais desenvolvidos”.

A SAÚDE PRIVADA NO BRASIL   

– 54% dos gastos em saúde são movimentados por empresas privadas (OMS)

– US$ 921 é o gasto anual per capita com saúde no Brasil (OMS)

– 112 mil ações judiciais sobre questões de saúde foram impetradas em 2010 (CNJ)

– Entre 2000 e 2011, a inflação foi de 102,85%, enquanto na saúde correspondeu a 133% (IBGE)

– Em 2000 a porcentagem do PIB com despesas públicas com a saúde foi de 2,9. Dez anos depois, em 2010, foi 4,1% (IPCA)

– As despesas privadas do PIB correspondiam a 4,3% em 2000 e 4,9 em 2010 (IPCA)
 

Nos Estados Unidos, que contam com um sistema diferente, cada estadunidense gasta anualmente 3.700 dólares em despesas com saúde. Esses dados são referentes a 2009, e fazem parte de um relatório elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e publicado em 2012.

PESQUISA – Por meio de um estudo qualitativo que contou com vasta pesquisa documental e entrevistas a especialistas na área da saúde pública, Regina mostrou que o Brasil possui um sistema duplicativo em saúde. O estudo não incluiu planos de saúde odontológicos e foi integralmente financiado pela própria autora.

Segundo a pesquisadora, países europeus resolveram de diferentes formas a questão da duplicidade de gastos em saúde. Na Holanda, os 30% mais ricos pagam seus planos particulares uma vez que o Estado não provê subsídios a essa parcela da população. Na Alemanha, os cidadãos devem optar pelo serviço público ou particular. Na França, o sistema de saúde é público, mas complementado por seguros privados, principalmente na compra de remédios e em consultas médicas.

“No Brasil há uma espécie de preconceito entre setor público e privado. É preciso que ambas as partes estabeleçam um diálogo franco para chegar a um consenso e resolver a questão de alguma forma. Isso é urgente para o país”, diz Regina.

ESTATÍSTICAS – Dados apresentados por Regina revelaram que nas cinco regiões do país existe uma relação direta e proporcional entre o número de médicos e quantidade de serviços e ofertas de planos de saúde. Segundo números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em média, cada família brasileira gasta cerca de 6% do seu orçamento com saúde.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, no mundo, 150 milhões de pessoas pagam a assistência médica privada do próprio bolso. A implicação disto é que a cada ano 100 milhões são empurrados para baixo da linha de pobreza devido à assistência de saúde que precisam pagar. “Essa relação é perversa e tem que mudar”, argumentou Regina. Outro dado impressionante apresentado pela aluna é a quantidade de ações judiciais movidas no Brasil sobre questões de saúde: 112.324, em 2010, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). As queixas são dirigidas tanto para planos de saúde como para o Sistema Único de Saúde (SUS).

 


Foto:Ascom Fiocruz Brasília.

Entre os membros da banca estava o coordenador do Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde (NETHIS/OPAS/Fiocruz/UnB), José Paranaguá, professores da UnB, da Universidade de São Paulo (USP) e da Advocacia Geral da União (AGU). Todos enalteceram a originalidade da metodologia apresentada por Regina e destacaram a importância de um trabalho que relaciona a bioética e os planos de saúde. Entre os presentes, estavam o presidente da Unimed, Eudes de Freitas Aquino e o superintendente da Amil, Luís Jorge.

Fonte: UnB Agência.