Uso de estoques de agrotóxico proibido está em discussão no Brasil

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  • 2 de Dezembro de 2020
O Ministério Público quer proibir a ampliação do prazo de uso do paraquate no Rio Grande do Sul; outras propostas para sustar a permissão de uso são discutidas no Legislativo

Parece não estar nem perto do fim a controvérsia sobre a ampliação do prazo para o uso do agrotóxico paraquate no Brasil. Isso porque o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública, em 20 de novembro, para cancelar os efeitos, no Rio Grande do Sul, da decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que permite a utilização, até 2021, dos estoques remanescentes do produto.

A ampliação do prazo para o uso do paraquate obedece a um calendário regional. Nas lavouras de trigo, o agrotóxico poderá ser aplicado até 31 de agosto no Sul, Sudeste e Centro-Oeste

Para o MPF, a decisão é desprovida de razoabilidade e não se baseia em dados técnico-científicos. De acordo com o Ministério Público, a ampliação do prazo para o uso dos estoques do produto mantém a continuidade dos efeitos danosos do agrotóxico à saúde da população, especialmente dos trabalhadores rurais.

Foi devido a esses efeitos que diferentes países no mundo baniram o paraquate de suas lavouras. A lista de nações que proíbem o uso do agrotóxico é extensa e inclui todos os países da União Europeia, além da China, Laos, Camboja, Costa do Marfim, Cabo Verde, Senegal, Nigéria, Tailândia, entre outros.

A pesquisadora da Fiocruz Karen Friedrich, membro do grupo temático Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), explica que o produto está relacionado à mutação genética e ao mal de Parkinson. “A literatura científica está bastante consolidada no sentido de associar o paraquate à indução de mutação. E a comunidade europeia reconhece a causalidade entre o paraquate e o parkinsonismo”.

Regulação Internacional: países adotam diferentes marcos

Os marcos regulatórios para agrotóxicos na União Europeia e no Brasil, por exemplo, definem que produtos mutagênicos não podem, em hipótese alguma, obter registro para o uso, diferente da Austrália e dos Estados Unidos que empregam um gerenciamento de risco, inclusive, para substâncias associadas à mutação genética, como o paraquate.

Ainda com as evidências acumuladas sobre os malefícios do produto, Estados Unidos e Austrália permitem a aplicação. Esses países consideram que é possível gerenciar os riscos reduzindo a exposição dos trabalhadores rurais ao agrotóxico. É o caso, por exemplo, da vedação completa da cabine dos tratores de pulverização.

A aplicação do paraquate deve ser realizada exclusivamente por equipamentos mecanizados em cabine fechada. Também é obrigatório o uso de equipamento de proteção individual (EPI)

Mas mesmo nos Estados Unidos, explica o pesquisador da Fiocruz Luiz Cláudio Meirelles, especialista em saúde do trabalhador e ecologia humana, o paraquate sofre uma redução sensível de uso indo em direção ao banimento. Ele também lembra que esses países têm mecanismos de controle para a proteção do trabalhador rural mais confiáveis que os mecanismos brasileiros.

Convenção de Roterdã: intercâmbio internacional de informações

Não é apenas no Judiciário que o uso dos estoques remanescentes do paraquate está em discussão. Na Câmara dos Deputados, diferentes partidos políticos apresentaram projetos de decreto legislativo com o objetivo de sustar a decisão da Anvisa.

O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) é um dos autores das propostas que tramitam na Casa. De acordo com ele, a ampliação do prazo para a utilização dos estoques do produto afronta a Constituição Federal ao interferir no direito à saúde, no direito ao meio ambiente equilibrado e na dignidade da pessoa humana.

“Conforme dados da própria agência ambiental americana (EPA), é possível incluí-lo – o paraquate – no rol de agrotóxicos proibidos ou severamente perigosos da Convenção de Roterdã, ao lado do DDT e do 2,4,5 – T, um dos componentes do nefasto agente laranja – um herbicida utilizado pelo Estados Unidos como arma química na guerra do Vietnã ” – Alessandro Molon

A Convenção de Roterdã é um tratado internacional proveniente do Código Internacional de Conduta da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Um dos objetivos da Convenção é apoiar os países a elaborar suas próprias normas regulatórias ao fornecer subsídios para a tomada de decisão. O Brasil é um dos países signatários e aprovou o texto da Convenção por meio do Decreto Legislativo nº 197, de 7 de maio de 2004.

Na página do Observatório de Regulação Internacional de Fatores de Risco Associados às Doenças Crônicas Não Transmissíveis, projeto coordenado pelo Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde da Fiocruz Brasília (Nethis/Fiocruz Brasília), estão elencadas as principais medidas previstas na Convenção de Roterdã. Acesse!