Saúde em fronteiras: capacitação profissional e articulação entre países são essenciais

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  • 23 de Janeiro de 2020

Mesa de Debates. Foto: Fiocruz Brasília

A saúde em regiões de fronteiras deve ser compreendia como um elemento de bem-estar geral capaz de promover o desenvolvimento regional. Políticas públicas em saúde para essas regiões não devem, portanto, ficar restritas a aspectos de vigilância. Foi o que defendeu a representante da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) no Brasil, Socorro Gross, durante o Ciclo de Debates: Saúde e Fronteiras no Novo Mundo, realizado, em 18 de setembro, no auditório interno da Fiocruz Brasília.

De acordo com a representante da Opas/OMS, a participação popular é relevante para a eficácia dessas políticas. Sem o envolvimento da população local, qualquer ação para saúde em fronteiras não terá sustentabilidade. “Não importa os recursos financeiros utilizados, nem o tempo empregado pelos profissionais de saúde envolvidos”, afirmou.

Para o coordenador de Estratégias de Integração Regional e Nacional da Fiocruz, Wilson Savino, as capitais dos países devem ter grande responsabilidade na condução de políticas públicas para as regiões de fronteiras, particularmente, nas ações em prol da saúde.

A formação de recursos humanos especializados foi ressaltada pelo pesquisador. “A formação capacitada deve ser utilizada como um dos braços de ação em saúde nas fronteiras, mas também é preciso o envolvimento dos Ministérios da Saúde e das Forças Armadas”, disse. Savino defendeu que lógica de atuação em fronteiras deve se basear em princípios como o da cooperação entre os povos e o da solidariedade.

A articulação entre as estruturas estatais dos países fronteiriços, com a acumulação das boas práticas empregadas, também foi destacada como fator de sucesso para as políticas públicas em saúde nas regiões de fronteiras.

Fronteiras nas Américas
Segundo Socorro Gross, no continente americano existem regiões de fronteiras marcadas por episódios de tensa convivência. É o caso, por exemplo, da Republica Dominicana e do Haiti na América Central. Os países compartilham uma fronteira de quase 400 quilômetros, onde frequentemente são reportadas denúncias de tráfico de pessoas e contrabando de armas e animais.

Fronteira Haiti – República Dominicana. Foto: Divulgação Opas/OMS

Historicamente, as duas nações enfrentaram eventos de intensa divergência e hostilidade. No começo do século 20, muitos haitianos deixaram suas casas para trabalhar nas plantações de cana-de-açúcar do país vizinho. Em 1937, sob as ordens do ditador dominicano Rafael Trujillo, cerca de 30 mil haitianos foram assassinados na República Dominicana. Por sua vez, os dominicanos não esquecem do rigoroso regime de ocupação que lhes foi imposto pelo governo haitiano de Jean-Pierre Boyer, entre 1822 e 1844.

Para a representante da Opas/OMS, em regiões de conflito como essa, ações em prol da saúde podem atuar como instrumentos para a paz e para o desenvolvimento social. “Ter saúde não é apenas não estar doente; é também dispor de felicidade e oportunidades. Como instrumento, a saúde é capaz de criar espaços de desenvolvimento, articulação e força”, argumentou.

Articulação entre países
Aprovada em 2009, a Agenda de Saúde da América Central e da República Dominicana 2009-2018 fornecia diretrizes políticas e prioridades de investimento para região. De acordo com Socorro Gross, o documento propôs o desenvolvimento de uma cooperação entre fronteiras para aumentar a cobertura dos serviços de saúde, reduzir os custos de ações e abordar as emergências e desastres em saúde. A agenda foi elaborada pelo Conselho de Ministros da Saúde da América Central e da República Dominicana.

Outro exemplo de cooperação internacional destacado foram as feiras de saúde binacionais em Upala, cidade situada na província de Alajuela na Costa Rica, divisa com a Nicarágua. Desde 2007, os governos locais adotaram uma abordagem global para a segurança de migrantes. “Eles desenvolveram ações com foco nos determinantes de saúde para o contexto transfronteiriço, com objetivo de melhorar a saúde das populações”, explicou. Com o crescimento econômico da Costa Rica, o país tornou-se um polo de atração de migrantes latinos, especialmente de nicaraguenses em busca de melhores ofertas de trabalho.

Caravana de migrantes rumo aos EUA. Foto: Divulgação Opas/OMS

Atualmente as caravanas de migrantes, que passam pela Guatemala e pelo México em direção aos Estados Unidos, são os episódios em que mais se observa a articulação de Organizações não Governamentais (ONGs) e dos sistemas de saúde locais, segundo a representante da Opas/OMS. Os serviços de saúde atendem os migrantes dentro das próprias capacidades e as ONGs trabalham para melhorar o acesso aos cuidados médicos e psicológicos ao longo da rota de migração, dando prioridade aos mais vulneráveis, como menores desacompanhados e pessoas vítimas de violência direta.

CICLO DE DEBATES – O X Ciclo de Debates sobre Bioética, Diplomacia e Saúde Pública é organizado pelo Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde (Nethis/Fiocruz Brasília). A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) e a Fiocruz Brasília apoiam a realização das sessões. As sessões são gravadas e disponibilizadas na videoteca Nethis.