Agrotóxicos: Brasil lidera consumo e tem regulação frouxa

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  • 23 de Outubro de 2018

Comparado à União Europeia (UE), é até 5 mil vezes maior o limite brasileiro de glifosato permitido em água potável. O agrotóxico mais vendido no Brasil é o responsável pela decisão inédita da justiça americana em condenar a companhia Monsanto, gigante da indústria química e do agronegócio, a indenizar em US$289 milhões um jardineiro com câncer. A conjuntura internacional sobre a controle dessas substâncias foi destaque do IX Ciclo de Debates: Regulação Internacional de Agrotóxico, realizado em 18 de outubro, no auditório interno da Fiocruz Brasília.

Fonte: Anvisa (2017); European Commission (2017)

O abismo entre a legislação europeia e a brasileira também é visto nos limites de resíduos de agrotóxicos permitidos em alimentos. No caso da soja, o limite tolerável no Brasil é 200 vezes superior. Para o feijão, a quantidade permitida é 400 vezes superior que a autorizada no bloco de países europeus.

Liberado aqui, restringido na União Europeia

A pulverização aérea de agrotóxicos nas lavouras na UE é bastante restritiva. A Holanda e a Eslovênia, por exemplo, proibiram a técnica nas plantações. Em 2020, a França será a próxima a banir. No Brasil, a pulverização aérea ainda é permitida. Segundo o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), esse tipo de pulverização é o mais relacionado com a contaminação do meio ambiente.

O pesquisador do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (ISC/UFMT) Wanderlei Pignati explica que, no Brasil, a legislação que dispõe sobre a comercialização e o uso de agrotóxicos sofre a interferência do setor agrícola e das empresas de agrotóxicos. No Mato Grosso, a regulamentação da distância mínima de segurança entre o local de aplicação terrestre e reservas ambientais foi reduzida, após pressões dessa bancada. “Passou de 300 para 90 metros a distância que deve ser preservada entre o local de pulverização e a área de proteção ambiental”.

 

 

Pulverização de lavoura de soja. Ao fundo, Parque Indígena do Xingú. Foto: divulgação

Do conflito de interesses à falta de planejamento

Para a pesquisadora do grupo Desenvolvimento e Evolução de Sistemas Técnicos da Universidade Federal do Paraná (DEST/UFPR) Letícia Rodrigues, além da interferência do agronegócio na elaboração de leis, o Brasil ainda precisa avançar na conclusão das etapas que envolve a regulação para evitar gargalos no controle dessas substâncias.

Ela explica que o conjunto de etapas desse processo compõe um ciclo que gera retorno de informações capazes de avaliar resultados. “A regulação de agrotóxicos no Brasil é muito frágil, porque há falhas nas etapas. Nossas medidas não dão proteção à saúde das pessoas e ao meio ambiente”, sustenta.

O ciclo de regulação deveria ocorrer conforme enumerado: 1) os produtos devem ser avaliados pelo órgão regulador para verificar se eles atendem os requisitos de aceitabilidade dispostos em leis; 2) o Estado deve fiscalizar as empresas para verificar se os produtos comercializados mantêm esses requisitos; 3) há de ser realizado um monitoramento das medidas implementadas; e 4) a partir do monitoramento, é possível saber se a regulação deve ser readequada.

Liderança mundial indesejada

Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Brasil ocupa o 7º lugar no mundo na relação da quantidade de agrotóxicos aplicados por hectare de terra cultivada. A alta taxa de aplicação dessas substâncias na agricultura tem relação direta com o aumento do número de intoxicações por agrotóxicos, é o que aponta Pignati. “Em 2007, foram registrados 2.180 casos de intoxicação aguda por agrotóxico no país. Em 2016, subimos para 4.408 casos. No total, em quase dez anos, foram 35.839 pessoas atingidas”.

De acordo com o Ministério da Saúde, o uso contínuo, indiscriminado ou inadequado de agrotóxicos é considerado um relevante problema ambiental e de saúde pública. Os efeitos à saúde humana decorrentes da exposição direta ou indireta aos agrotóxicos podem variar de acordo a toxicidade, princípio ativo, dose, tempo de exposição e via de exposição.

Conheça algumas das doenças crônicas causadas pelos agrotóxicos, segundo o pesquisador Pignati:

 

Câncer

é a doença mais perigosa e fatal relacionada com o consumo contínuo e em excesso de agrotóxicos. Os tipos de câncer mais comuns relatados são câncer de mama, ovário, próstata, testículo e leucemia.

Infertilidade

pode atingir mulheres e homens que trabalham nas lavouras em que se utiliza agrotóxicos. As substâncias afetam a taxa de fertilidade, além de alterar a qualidade dos espermatozoides.

Doença de Parkinson

doença degenerativa e progressiva do sistema nervoso central. Pesquisadores americanos apontam relação entre agrotóxicos e a doença, não apenas entre os trabalhadores, mas também em pessoas que vivem próximo aos campos cultivados.

Disfunções na tireoide

os hormônios da tireoide podem sofrer alterações em seu funcionamento, o que acarreta ainda mais problemas de saúde. Os problemas estão relacionados com o consumo de alimentos contaminados por agrotóxicos.

Doenças neurológicas os agrotóxicos podem ainda causar diversas doenças neurológicas, entre elas a depressão, além de irritabilidade e distúrbios do desenvolvimento cognitivo, processo responsável por habilidades como coordenação motora, psicomotricidade e adaptação.

 

O Ciclo de Debates é promovido pelo Núcleo de Estudos em Bioética e Diplomacia em Saúde (Nethis/Fiocruz Brasília). As atividades deste semestre acompanham os temas do Observatório de Regulação Internacional de Fatores de Risco Associados às Doenças Crônicas Não Transmissíveis, projeto coordenado pelo Núcleo de Estudos. A Organização PanAmerticana da Saúde (Opas) apoia a realização das sessões. Acesse as sessões anteriores aqui.

Veja abaixo a apresentação de slides dos palestrantes:

Pesquisador Wanderlei Pignati, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (ISC/UFMT).

Pesquisadora Letícia Rodrigues, do grupo Desenvolvimento e Evolução de Sistemas Técnicos da Universidade Federal do Paraná (DEST/UFPR).