Físico-químico fala sobre desafios da ciência

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  • 24 de Maio de 2013

Pesquisador da USP, Sérgio Mascarenhas, sugere a criação de hospitais virtuais regionais com especialistas atendendo por call centers. “Até imagens de ressonância magnética podem ser enviadas on line. É mais inteligente e econômico”, disse. 

Mais ciência, menos futebol. É o que defende um dos mais importantes pesquisadores brasileiros, o professor Sérgio Mascarenhas, da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos. “A ciência não é considerada fundamental. Nós não temos laboratórios, temos mais campos de futebol do que laboratórios no país. Sem isso, não vamos chegar aos ‘Pelés’ da ciência”, afirmou o cientista durante o III Ciclo de Debates do Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde (Nethis), na manhã de quarta-feira, 23 de maio, no auditório da Fiocruz Brasília.

Mascarenhas destacou a falta de gestão e de planejamento estratégico como alguns dos principais entraves para o desenvolvimento da ciência no Brasil. Para ele, as universidades também acabam contribuindo para essa realidade. “A universidade tem que ser agitadora. As nossas, em geral, estão na zona de conforto”, avalia. Outro obstáculo são as questões éticas ligadas às pesquisas científicas, que levam ao que Mascarenhas chama de ditadura jurídica. “[Se os cientistas] não tiverem uma visão mais ampla, vai cair tudo no STF. E o que eles sabem?”, disse.

O pesquisador argumentou que não pode haver uma separação entre cientistas e humanistas. É preciso criar uma terceira cultura que envolva essas duas classes, e a arte possa ser tomada como exemplo para a ciência. “Pensar em ciência sem pensar em arte é perder o maior exemplo de inovação e criatividade. A arte ensina a ciência pela coragem de desvendar novas fronteiras”, acredita.

PERSPECTIVAS – O professor Mascarenhas acredita que o futuro da ciência na área da Saúde está na criação de bancos de dados por patologia, programa de intercâmbio para formação de recursos humanos, além de centros regionais de referência. Seriam cinco centros – um para cada região do país – com equipamentos de ponta para uso partilhado por cientistas da localidade. “Na Europa, existe cooperação entre os países para a construção do maior acelerador de partículas. Isso otimiza recursos financeiros e humanos e [esse modelo de trabalho] não existe no Brasil”, conta.

O cientista sugeriu a criação de hospitais virtuais regionais. “O sistema de saúde precisa se apossar das tecnologias. Em vez de postos de saúde, teríamos call centers com especialistas prestando atendimento, até imagens de ressonância magnética podem ser enviadas [on line]. É mais inteligente e econômico”.

Sérgio Mascarenhas ressaltou, ainda, a necessidade de se aplicar o conceito de sistemas complexos na política de saúde. “O Brasil está atrasado pelo menos cinco anos. O sistema que temos, na vida prática, não é linear”. Segundo o professor, na teoria de sistemas complexos, é preciso olhar as variáveis de controle. “No sistema vivo, são centenas de variáveis que transformam a Saúde em um sistema supercomplexo”, conclui.

O evento foi promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). O debate teve mediação de José Paranaguá (Nethis) e Félix Rígoli (Opas) e presença dos professores Isaac Roitman e Celina Roitman, ambos da UnB.

O INVENTOR – Recentemente, Mascarenhas resolveu adentrar o campo da Neurociência e desenvolveu um dispositivo de baixo custo capaz de medir a presão intracraniana. O experimento foi elaborado pelo professor, após ser diagnosticado com hidrocefalia, acúmulo de água no crânio que eleva a pressão no cérebro. Preocupado com o procedimento cirúrgico a que teria de ser submetido para implantar um mecanismo que controlasse a pressão intracraniana, Mascarenhas se viu inspirado a criar um procedimento menos agressivo. “Estava com medo. A única coisa que um professor tem é sua cabeça”, explica. Então, realizou um experimento que serviu para conhecer, pela primeira vez, o que acontece com o cérebro durante uma convulsão epiléptica. Para tanto, utilizou um microchip que após alocado na superfície da cabeça, foi conectado a uma bomba de pressão arterial ligada em um monitor. Clique aqui para saber mais. 

TRAJETÓRIA – Quem olha o senhor de 85 anos vestido com terno e gravata não imagina que por trás daquela figura está um dos mais respeitados pesquisadores brasileiros. Sérgio Mascarenhas foi fundador do Instituto de Estudos Avançados de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto de Pesquisas Adib Jatene e do Programa Internacional de Estudos e Projetos para a América Latina. Colaborou com a criação da Unidade de Apoio à Pesquisa e Desenvolvimento de Instrumentação (Uapdia da Embrapa), a Embrapa Instrumentação. Atualmente, é professor de pós-graduação na Universidade Federal de São Carlos, mas seu currículo vai muito além: ele também realizou pesquisas tanto na área de Biofísica quanto na de Agricultura.

Fonte: Secom UnB.
Foto: Marcelo Jatobá.